quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Devo, não nego....mas também não pago

Com toda a discussão do aumento do teto do possível endividamento americano, nas últimas semanas, resolvi postar algo sobre este assunto.

Eu tive a impressão de que os meios de comunicação passaram mais a idéia de ser um problema só dos Estados Unidos, de caráter político mais do que econômico, tendo em vista a pobreza do sistema político americano. Sistema esse que, na prática, só tem dois partidos políticos e que tem vivenciado nos último anos uma tendência de fortalecimento das alas extremas de ambos os partidos.

Pois bem. A revista britânica "The Economist" trouxe hoje, 03.08.2011, em sua edição eletrônica, no quadro "Daily Charts", um gráfico dinâmico, mostrando o tamanho da dívida de diversos países do mundo. Vale aqui ressaltar que dívidas são classificadas em "dívidas públicas" e "dívidas privadas".

As dívidas públicas são aquelas contraídas por Estados através de emissão de papéis (títulos de dívidas). As dívidas privadas são aquelas contraídas por pessoas físicas e empresas.

Esse quadro da "The Economist" foi mais além, e dividiu as dívidas privadas em "dívidas domésticas", que são aquelas que as famílias têm; "dívidas do setor financeiro", no caso dos bancos; e "dívidas do setor não-financeiro", ou seja, as demais empresas do setor privado.

A discussão das últimas semanas nos Estados Unidos, foi sobre o aumento do teto de possível endividamento do setor público. O Departamento do Tesouro americano havia divulgado há algumas semanas, que ele só tinha dinheiro em caixa, para pagar os gastos até o dia 02.08.2011, e a partir deste dia, ele teria que emitir títulos públicos para pagar as contas do segundo semestre.

Neste caso, dois problemas soltam aos olhos. O primeiro é o fato de que os Estados Unidos já estavam no limite de endividamento previsto em lei . Daí, toda a discussão de se aumentar este limite (até a sanção da lei que aumentou o limite pelo Obama no dia 02.08.2011, o limite era de US$ 14,3 trilhões). Sem este aumento, o Tesouro Americano não teria permissão constitucional para fazer nova emissão de títulos. O outro problema (e na verdade, o mais dramático de todos) é que o Governo Americano, através da arrecadação de impostos, só tem dinheiro pra bancar os gastos de 1 semestre no ano! O segundo semestre é todo bancado por dívidas!

Vale ressaltar que os Estados Unidos não são um país que segue a política do bem-estar social, como países da Europa Ocidental. Na Alemanha, existe o programa HARTZ-IV, que dá dinheiro para a pessoa, enquanto esta não tiver emprego. Sem restrições de tempo. Basicamente, só tem que comprovar que está procurando emprego. Esta comprovação se dá através de "cartas de recusa" que o empregador emiti,  quando este não quer empregar uma determinada pessoa.

Nos Estados Unidos, famosos pelo mercado de trabalho flexível, existe o seguro-desemprego, mas este tem na média duração de 6 meses. Em alguns casos, ele pode chegar até 2 anos. Depois disso, indigência. Com a crise financeira de 2008/09, em 2011/12 esses 2 anos serão atingidos. E como contra-proposta dos Republicanos aos Democratas, os primeiros exigem que sejam feito cortes na área social das despesas, e que se preserve ao máximo a área militar. Vale ressaltar, que os Republicanos são em média os mais ricos.

O quê eu queria mostrar aqui mesmo vai mais em outra direção. Só queria mostrar, que mesmo com o aumento do teto de possível endividamento americano, o Governo Americano não é o governo mais endividado do mundo. Como mostra este quadro da "The Economist"   (http://www.economist.com/blogs/dailychart/2011/07/world-debt-guide), há outros governos bem mais endividados.

A medida de endividamento aqui aplicada é a relação dívida/PIB do país em questão, porque esta é a relação tida pelos economistas como a que mais se aproxima da realidade sobre a capacidade de um país de pagar suas dívidas. Claro que essa também não é uma medida perfeita, mas é o que se tem.

Segundo a revista, os Governos de Japão, Itália, França e Alemanha estão mais endividados do que o Governo Americano. As relações dívida/PIB destes Governos são, respectivamente: 210%; 110%; 84%; 83%; e 79% para os Estados Unidos.

O quê pouco se discute, inclusive não foi discutido neste quadro da revista, é o fato se a dívida é interna ou externa. No caso de dívida interna, aí pega-se o caso do Japão, a situação é bem menos problemática, porque isso se reduz à um problema de distribuição de renda. Como o Governo Japonês deve para seus próprios habitantes, ele pode simplesmente aumentar os impostos e pagar as dívidas. Se ele faz isso ou não, vai depender da capacidade (política e macroeconômica) do Governo Japonês de elevar os impostos.

Outro ponto que também não é muito discutido, é se o endividamento externo é em moeda local ou em moeda estrangeira. Por muito tempo, por exemplo, o Brasil tinha dívida externa em dólar americano. Isso era muito complicado, pois o Governo Brasileiro não tinha a possibilidade de imprimir dólar para pagar suas dívidas. A Grécia tem hoje o mesmo problema. Apesar do fato de a moeda corrente na Grécia ser o EURO, e este país estar endividado também em EURO, o Governo Grego não tem autônomia para imprimir moeda. Tudo tem que passar pelo ECB (European Central Bank, ou Banco Central Europeu), em Frankfurt. Exemplo recente de utilização deste recurso de imprimir moeda para pagar dívida pode ser visto no Zimbabue, onde a inflação é mais do que cavalar (faz com que a inflação no Brasil na década de 80 seja coisa de criança). Recentemente, o Governo de Zimbabue imprimiu a nota de 100 bilhões de dólares zimbabuenses. Ou seja, inflação.

Apesar do fato de a China, Japão, Brasil e Grã-Bretanha terem muitos títulos do Governo Americano em seus caixas, grande parte do endividamento público americano é interno e, evidentemente, em US$.

No quê toca o "endividamento privado", aí, a coisa é diferente. As famílias mais endividadas do mundo são as suíças, seguidas pelas inglesa, canadenses e americanas. As relações dívida/PIB dessas famílias são, de forma aproximada e respectiva: 120%; 100%; 85%; e também 85% para os americanos. A relação dívida/PIB das famílias brasileras é de aprox. 15%. Por quê, então, os brasileiros se queixam tanta de dívidas? Juro! Enquanto os juros do cheque-especial do Banco do Brasil é de 150% ao ano, os juros no Berliner Bank, na Alemanha, é de 16% ao ano. Ou seja, mesmo tendo bem menos dívidas do que famílias de outros países, as famílias brasileiras comprometem uma porção de seus rendimentos, provavelmente, até maior do que as famílias suíças, alemãs ou americanas.

As empresas do setor privado não-financeiro mais endividadas são as espanholas, francesas, britânicas, sul-coreanas e chinesas. As relações são de forma aproximada e respectiva: 140%; 118% 116%; 106% e 97% para os chineses. As empresas do setor privado não-financeiro brasileiras aparecem no fim da lista, com uma relação de 30% dívida/PIB. Problema que elas têm? Juros! Claro que esta lista não levou em consideração todos os países do mundo. Com certeza há países onde essas relações são mais extremas. Aqui, só foram levados em consideração as maiores economias do mundo.

O setor privado financeiro mais endividado é, de longe, o britânico. Este possui uma relação dívida/PIB de apox. 205%. É muita coisa. Só pra comparar, em segundo lugar, vem o setor privado financeiro japonês com aprox. 120%. O alemão tem cerca de 85%. O suíço, 82%. O americano, 42%. E, por fim, o brasileiro com cerca de 33%.

Juntando todas essas informações, chega-se aos países mais endividados do mundo. Esta é uma medida que na verdade não quer dizer muita coisa, pelo fato de não levar em consideração como essas dívidas são configuradas, à quem se deve, e também, como no caso brasileiro, os juros que se pagam. Mesmo assim, é um bom entretenimento ver essas comparações.

Liderando a lista de devedores estão, com uma grande margem de folga, a Grã-Bretanha e o Japão com, respectivamente 495 e 492% dívida/PIB.Os Estados Unidos estão praticamente no mesmo nível da Alemanha com, respectivamente, 288 e 282%. Já o Brasil se assemelha mais à China com, respectivamente, 142 e 158%.

Por quê o Brasil não emiti tanta dívida como os países ditos "desenvolvidos" a fim de proporcionar à sua população um padrão-de-vida de "primeiro mundo"?
Há vários fatores, sendo que um deles é histórico. Quando já se faz negócios com um país há muito tempo, os investidores conservadores (entre outros, fundos de pensão com trilhões de dólares na carteira), tendem a investir onde já se conhece. Por lei, há fundos de pensão nos Estados Unidos que só podem comprar papéis de Governos com nota "AAA", em pelo menos duas agências de risco. A propósito, este também é parte da razão, porque se tem tanto medo que papéis do Governo Americano sofram um "downgrade", ou seja, passem de "AAA" para "AA".

O Brasil começou a estabilizar sua economia só em 1994, com o REAL. E, só a partir de 2001, seguiu-se a política dos três pilares da economia: Superávite Primário; Câmbio Flutuante e Metas de Inflação. O Reino Unido, por outro lado, já é conhecido do mercado há séculos. Todo mundo conhece as regras do jogo lá. Outro fator importante é que, por exemplo, no Reino Unido se fala inglês. Se você tem um investidor na Malásia que tá pensando em investir no Brasil ou no Reino Unido (supondo condições e retornos semelhantes nos dois países), onde você acha que ele vai investir? No Reino Unido. Se acontecer alguma coisa, ele pega o telefone, e fala em inglês com qualquer pessoa. Todo mundo sabe que no Brasil não seria assim. Imaginem só investidores americanos cheios da grana! Esses sim prefeririam investir no Reino Unido do que no Brasil. Fora isso, há também outros fatores (psicológicos ou não), como afinidade por um país, por uma linha política, proximidade geográfica, percepção por parte dos investidores sobre o nível de corrupção, eficiência do sistema jurídico do país, etc.

Resumindo a estória, mesmo se o Brasil emitisse tanta dívida, a ponto de igualar a sua relação dívida/PIB com àquela de países ditos "desenvolvidos", não haveria procura por parte dos investidores por tanto papel brasileiro.

Pois bem, só quis mostrar aqui, que entender endividamento é complicado, mas não tanto.
Espero que quem leia isso aprenda alguma coisa.

Até a próxima!